A doença hemorroidária é a mais comum entre as patologias da região do ânus e do reto e prejudica cerca de 40% da população mundial, principalmente após os 45 anos. Apesar disso, o assunto “hemorroidas” é cercado de constrangimento e crenças que podem atrasar o diagnóstico e o tratamento e prolongar o prejuízo à qualidade de vida! Conheça mais sobre essa condição e como o cirurgião digestivo pode contribuir para seu tratamento.
O que são hemorroidas?
Um conjunto de veias localizadas na parte mais baixa do final do intestino grosso, com capacidade de dilatação. Essas são as hemorroidas, também chamadas de botões hemorroidários!
A função desse conjunto de veias é auxiliar a musculatura dos esfíncteres do ânus a segurar o conteúdo do reto (parte final do intestino grosso) até o momento adequado de liberação; ou seja, são importantes na continência anal!
Além disso, a inervação das hemorroidas contribui na identificação e diferenciação do conteúdo do reto entre gás, líquido e sólido.
Quando ocorre dilatação, prolapso (descida pelo canal anal), inflamação ou trombose das hemorroidas, ocorrem os sintomas associados à doença hemorroidária.
Quais são os tipos de hemorroidas?
Existem dois tipos de hemorroidas: as internas e as externas. A diferenciação entre uma e outra se refere à localização dos botões hemorroidários ao longo do canal anal.
As hemorroidas internas são recobertas pela mucosa – um tecido especializado que reveste o trato digestivo com particularidades para cada órgão – que também recobre o restante do reto e o início do canal anal. Elas não recebem nervos sensitivos, portanto são indolores!
As hemorroidas externas são recobertas por pele e recebem nervos sensitivos, podendo ser fonte de dor. Elas se dispõem por toda a circunferência do ânus.
Ambas as hemorroidas se comunicam por pequenos vasos, formando as chamadas “anastomoses”, isso permite a formação das hemorroidas mistas quando há comprometimento combinado das duas hemorroidas.
O que causa as hemorroidas?
Quando os botões hemorroidários se tornam inchados de maneira excessiva, sua fixação aos tecidos à sua volta pode enfraquecer e esticar com o tempo, de modo a possibilitar o deslocamento dos botões além da borda do ânus.
O inchaço excessivo torna frágil o revestimento das hemorroidas, facilitando o sangramento durante a passagem de fezes endurecidas.
E quando descem além da borda do ânus, os botões hemorroidários ficam expostos ao ambiente externo e ao risco de não conseguirem voltar ao seu local normal pelo fechamento do esfíncter anal.
Apesar de se conhecer bem o processo pelo qual as hemorroidas trazem desconforto, a causa exata da doença hemorroidária não está estabelecida. As principais teorias são:
Diminuição do retorno venoso:
Retorno venoso se refere ao trajeto do sangue de volta ao coração. No processo de passagem do sangue pelas hemorroidas, impedimentos à sua saída vão aumentar a pressão local, da mesma forma que ocorre quando obstruímos uma mangueira.
Impedimentos a esse fluxo podem vir de diversas formas:
- Fezes endurecidas
- Gravidez – o útero gravídico repousa sobre as veias que levam o sangue das hemorroidas de volta ao coração, dificultando o fluxo
- Esfíncter anal muito rígido
- Idade além dos 30 anos – período em que se inicia o enfraquecimento das estruturas que fixam as hemorroidas em seus lugares
- Longos períodos no vaso sanitário – a pressão do peso da pessoa contra a borda do vaso comprime externamente todos as veias da região do ânus, dificultando o retorno venoso.
Constipação e esforço para evacuar:
Seja por causa do aumento do esforço necessário para evacuar fezes mais endurecidas. Seja pela agressão da mucosa por essas fezes mais rígidas e grosseiras, a constipação é considerada a principal causa das hemorroidas.
Ambas as queixas são encontradas com muita frequência, validando a hipótese.
Gravidez:
Além da já exposta dificuldade ao retorno venoso pela presença do útero gravídico, a gestação também pode contribuir para o surgimento da doença hemorroidária através de mecanismos hormonais.
É comum o retorno das hemorroidas ao seu normal após o parto.
Hipertensão portal:
Essa condição é frequentemente encontrada em pacientes com cirrose, doença crônica do fígado em que o órgão perde progressivamente suas funções. Nela percebe-se um aumento da dificuldade do retorno venoso dentro do abdômen e graves distúrbios de coagulação.
Dessa forma, pacientes cirróticos têm mais facilidade de apresentar o inchaço excessivo das hemorroidas e de sangrar por causa delas. Contudo, estudos não identificam nesses pacientes uma ocorrência maior da doença hemorroidária.
Outros fatores que podem contribuir para a doença hemorroidária:
- Incapacidade de permanecer em pé
- Predisposição genética
- Diarreia crônica
- Câncer de cólon
- Obesidade
- Cirurgia no reto
- Episiotomia – corte que pode ser realizado durante o parto para facilitar a passagem do bebê
- Doenças inflamatórias intestinais – como Crohn e retocolite ulcerativa
Quais são os sintomas das hemorroidas?
Quando se diferenciou os tipos de hemorroidas, foi mencionado que as hemorroidas internas não causam dor por não receber nervos sensitivos. Isso, contudo, não quer dizer que não possam causar sintomas.
O sangramento é o sintoma mais frequente da doença hemorroidária. Apesar de raramente ser grave, costuma ser dramático e surpreendente. Isso ocorre porque o sangramento é vermelho vivo, indolor e pode vir em jato, devido à alta pressão dentro do botão hemorroidário.
Outro momento comum de identificação do sangramento é o da higiene após a evacuação.
Como dito, o sangramento é um sintoma comum, assustador, mas não traz problemas graves de modo geral. Hemorragia e anemia podem acompanhar hemorroidas, mas esses casos são raríssimos e acontecem em pacientes com outras doenças associadas.
A descida dos botões hemorroidários pelo canal anal também causa sintomas!
Isso ocorre pelo risco de o esfíncter anal prender os botões nessa posição durante a evacuação, levando ao seu estrangulamento e forte contração do esfíncter, gerando dor. O aumento repentino na pressão pode gerar trombose das hemorroidas externas, aumentando muito a dor.
Mesmo sem esses eventos, a descida dos botões também pode causar sintomas irritativos ao trazer consigo muco e contaminação fecal para a pele do ânus. A manifestação disso vem na forma de coceira e eventualmente secreção.
As hemorroidas externas, por sua vez, se manifestam principalmente com dor. O quadro se associa frequentemente com trombose da veia, ou seja, interrupção do fluxo sanguíneo local.
O inchaço que acontece se resolve com o tempo, eventualmente com tratamento cirúrgico local e pode deixar uma pequena aba de pele cicatrizada, conhecida como “plicoma”. Essa pele não traz nenhum risco, mas pode incomodar e prejudicar a higiene local.
Apesar de muito incômodas, as hemorroidas não costumam trazer riscos graves para seus portadores. E, de forma muito importante, não se associam com aumento do risco para câncer na região.
Como é feito o tratamento para hemorroidas?
Para planejar as opções de tratamento para hemorroidas, é importante classificar a gravidade da doença. Isso é feito utilizando a seguinte graduação para hemorroidas internas:
- Grau I – hemorroidas que não passam além do canal anal. Costumam se manifestar “apenas” com sangramentos indolores e respondem bem a mudanças do hábito de vida
- Grau II – os botões descem além do canal anal, mas retornam sozinhos à sua posição habitual
- Grau III – as hemorroidas descem pelo canal anal, mas não retornam à sua posição sem ajuda do paciente ou atendimento médico – os graus II e III podem responder bem às mudanças no hábito de vida e tratamentos locais medicamentosos e não cirúrgicos
- Grau IV – os botões descem pelo canal anal e as manobras para seu retorno à posição não têm efeito – costumam necessitar de tratamento cirúrgico de urgência, assim como alguns casos de grau III. Casos não agudos de grau III e IV respondem à cirurgia programada
Mudanças dos hábitos de vida:
Pode surpreender, mas simples (não necessariamente fáceis) mudanças de hábitos de vida podem melhorar muito e, em alguns casos, até reverter a doença hemorroidária.
Aumento da ingestão de fibras como:
- Alface e outras folhas verdes
- Maçã
- Sementes como chia, linhaça, gergelim
- Alimentos integrais
- Cereais
Suplementação da alimentação com fibras processadas também é uma opção frequentemente necessária!
Aumento da ingestão de água é fundamental, pois a ingestão de fibras favorece a formação de fezes mais fáceis de eliminar. Porém, esse efeito depende da disponibilidade de água no intestino.
Dessa forma, a ingestão média de 2000-2500mL de água diariamente é recomendada, mas cada pessoa pode ter necessidades maiores ou menores.
Reduzir o tempo sentado no vaso também contribui para diminuir o inchaço das hemorroidas. A recomendação é de permanecer sentado apenas o tempo para evacuar. Levar livros ou o celular para o banheiro pode prolongar esse tempo, sendo contraindicado.
Outra medida importante é de evitar o uso de papel higiênico na limpeza após as evacuações, para diminuir a agressão local. Duchas higiênicas ou banhos se tornam a melhor escolha.
Tratamento tópico:
Os estudos sobre hemorroidas são escassos na informação sobre esses agentes aplicados diretamente sobre os botões e na região anal.
Porém, seu uso é comum e associado geralmente com melhora dos sintomas inflamatórios e da coceira. O inchaço das veias, porém, não diminui com o uso desses medicamentos.
As pomadas mais utilizadas têm em sua composição corticoides que aliviam os sintomas das hemorroidas e diminuem o sangramento. Contudo, o uso prolongado desses medicamentos não é recomendado, pois pode levar ao enfraquecimento da mucosa.
O uso de banhos de assento aquecidos é associado ao relaxamento dos esfíncteres anais e pode ser utilizado para alívio dos sintomas em casa. Porém sua ação traz apenas o alívio, não contribuindo para controle da doença.
Compressas frias contribuem para alívio da dor em casos de trombose, mas assim como os banhos aquecidos trazem apenas alívio.
Tratamento não cirúrgico:
Existem várias modalidades de tratamento para hemorroidas antes da cirurgia. Os casos de graus II e III são os que mais se beneficiam dessas opções.
Ligadura elástica:
Modalidade de tratamento mais utilizada na doença hemorroidária grau II e III. Consiste na utilização de um elástico para interromper o fluxo de sangue para o botão hemorroidário, levando à sua necrose e eliminação em uma ou duas semanas.
Coagulação, eletrocauterização:
São opções de destruição do botão hemorroidário sem depender da interrupção da circulação como no uso de elásticos. São menos associados a dor e complicações infecciosas, mas é mais difícil de encontrar equipe habituada a esses procedimentos.
Esclerose e crioterapia:
Consiste na utilização de agentes químicos ou soluções congelantes para destruir os botões hemorroidários. São eficazes nos graus I e II, mas se associam com mais dor após o procedimento e com retorno dos sintomas em 30% dos casos.
Terapia a laser e radiofrequência:
O uso do laser não apresenta clara vantagem sobre os demais métodos e depende de um manejo atento para não causar sangramentos.
A técnica que utiliza radiofrequência e ligadura das hemorroidas está em estudo e pode se tornar uma ferramenta interessante para o controle da doença.
Tratamento cirúrgico:
O tratamento cirúrgico definitivo das hemorroidas é chamado hemorroidectomia. Ele é realizado sob anestesia raquimedular – aquela aplicada nas costas. Pode ser considerado um procedimento simples e rápido, porém demanda muito cuidado.
O principal cuidado que o cirurgião digestivo deve ter durante a cirurgia é o de retirar toda a hemorroida dilatada e cauterizar qualquer sangramento, pois essa é uma das complicações possíveis desse procedimento.
Outro ponto de especial atenção é de evitar lesão da musculatura do esfíncter anal, que está em íntimo contato com os botões hemorroidários e cuja lesão pode levar a dificuldades futuras em segurar o conteúdo do reto.
Durante a remoção das hemorroidas também é importante considerar a cicatrização da cirurgia, pois a natural retração dos tecidos que acontece em qualquer cicatriz, pode levar a um estreitamento do canal anal, o que chamamos de “estenose”.
A recuperação no pós-operatório é dolorosa, pois a região recebe uma inervação muito rica. Banhos de assento contribuem muito para o controle da dor, além do uso de medicamentos.
As evacuações deverão ocorrer normalmente, mas com ajuste da alimentação para gerar fezes preferencialmente macias e pastosas, para diminuir a agressão local. O uso do papel higiênico segue desaconselhado nesse período.
A recuperação é mais intensa nos primeiros 15 dias, mas é comum afastar o paciente de atividades por até 30 dias para recuperar o máximo conforto antes de voltar ao trabalho.
Mitos sobre hemorroidas.
Por se tratar de uma doença muito comum, porém constrangedora, muitas crenças cercam o assunto das hemorroidas. Aqui derrubaremos alguns deles:
Hemorroida é doença!
Ao longo dessa publicação utilizamos como sinônimos os termos “hemorroidas” e “doença hemorroidária”, o uso corrente dessas palavras teve esse efeito de forma geral e prática. Porém, todo ser humano tem hemorroidas, inclusive elas estão presentes desde a vida dentro do útero.
A evolução com dilatação e descida dos botões hemorroidários pelo canal anal e os sintomas que discutimos é que são chamados de “Doença Hemorroidária”.
Comer pimenta causa hemorroida!
Não há qualquer evidência de que há associação entre o hábito de ingerir pimenta e o surgimento de hemorroidas. O que pode acontecer é uma sensibilidade pessoal ao consumo do alimento e uma piora dos sintomas irritativos.
Trabalhar sentado por longos períodos causa hemorroidas!
Essa é outra associação que não se sustenta. O hábito de trabalhar sentado não causa hemorroidas. Pode haver, porém, uma associação entre trabalhar sentado e uma vida mais sedentária, uma alimentação mais rica em alimentos processados e uma menor hidratação.
Nesse caso é a constipação que se associa a esses hábitos e ela, sim, deve ser combatida no tratamento das hemorroidas.
Sexo anal causa hemorroidas!
Não há evidência de que a prática sexual anal tenha relação com o surgimento de hemorroidas. Essa prática pode sim causar micro-lesões da mucosa anal pelo atrito local, principalmente quando praticada sem preservativos ou lubrificantes.
Contudo, não será a causa do problema. Em casos de inflamação aguda das hemorroidas ou quadros intensos com saída de uma massa de botões hemorroidários pelo ânus, porém, se recomenda evitar a prática temporariamente.
Hemorroidas viram câncer!
Já discutimos ao longo dessa publicação que essa afirmação é apenas um mito. Porém é importante salientar que tumores do canal anal existem e em sua apresentação podem se confundir com hemorroidas, por apresentarem sintomas semelhantes.
A avaliação de cada caso com um cirurgião digestivo e eventuais exames específicos podem ser importantes para estabelecer a diferença.
Espero ter contribuído para uma melhor compreensão dessa importante doença que incomoda tantas pessoas. Traga dúvidas que ainda tenham sobrado para uma consulta! Será um prazer recebê-lo!
Fontes:
httpss://emedicine.medscape.com/article/775407-overview
httpss://sbcp.org.br/arquivo/hemorroidas/
httpss://acervomais.com.br/index.php/saude/article/download/12429/7339/
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